Decisão dos tribunais: audiência pública

 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. LICENÇA AMBIENTAL. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. Em matéria de meio ambiente vigora o princípio da precaução que, em situação como a dos autos, recomenda a realização de audiências públicas com a participação da população local. Agravo regimental não provido.
(AgRg na SLS 1.552/BA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/05/2012, DJe 06/06/2012)

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.552 - BA (2012/0066717-5) REQUERENTE : ESTADO DA BAHIA PROCURADORA : CANDICE DE MOURA LUDWIG E OUTRO(S) REQUERIDO  : DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NR 97590320124010000 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO INTERES.: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DECISÃO - Trata-se de pedido de suspensão de antecipação de tutela, deferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 0009759-03.2012.4.01.0000/BA pelo em. Desembargador Federal Souza Prudente do e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A matéria versada nos autos envolve tema atinente à necessidade de realização de novas audiências públicas nos Municípios de Itacaré/BA e Uruçuca/BA, além da audiência pública já realizada em Ilhéus/BA, previamente à concessão de licenciamento ambiental do empreendimento Porto Sul, neste último Município.
Consta dos autos que o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido liminar, visando ao cumprimento de recomendação em que se assentou a necessidade de realização de tantas audiências públicas quanto necessárias para o esclarecimento da população, vez que o IBAMA apenas teria convocado a realização de 01 (uma) audiência, no município de Ilhéus/BA.
A em. Juíza Federal da Vara Única de Ilhéus/BA indeferiu o pedido apresentado pelo Parquet, sob os seguintes fundamentos:
"Impende salientar que a realização de audiência pública deve seguir requisitos regulamentares pertinentes à finalidade, iniciativa, prazos e procedimentos para informação prévia sobre o assunto
debatido, inscrições para participação, aproveitamento das opiniões expedidas pelos participantes, sendo detalhada pela Resolução CONAMA nº 09/1987.
Com efeito, nos termos do art. 2º, caput da resolução acima referida, a audiência pública deverá ocorrer, quando for julgada necessária pelo órgão competente, para outorga da licença ambiental, ou mediante solicitação de entidade civil, do Ministério Público ou de 50 ou mais cidadãos, sendo que, poderá haver mais de uma audiência pública sobre o mesmo projeto, dependendo da localização geográfica dos solicitantes e da complexidade do tema, sobre a qual constará no parecer final do licenciador quanto à aprovação, ou não, do projeto (...).
Neste contexto, fica claro que a mens legis visa muito mais à disponibilização de meios para a efetiva participação de consulta popular, dos interessados envolvidos na discussão do projeto a ser licenciado do que à quantidade e localidades em que as audiências serão realizadas. A Resolução Conama n. 09/1987 deixa a cargo do órgão licenciador a decisão quanto ao número e locais das audiências públicas para o fim de cumprir a intenção do legislador
(...)
In casu, há a necessidade de se fazer a ponderação, em sede de juízo perfunctório que rege o presente momento processual, se a audiência realizada com a participação do órgão licenciador na sede do Município de Ilhéus/BA, juntamente com os demais atos que antecederam à realização desta audiência pública noticiados pelo IBAMA em sua manifestação, proporcionaram a publicidade necessária e a participação popular de todos os afetados pela licença a ser concedida, levando-se em consideração a potencialidade do dano que o empreendimento acarretará aos bens sócio-ambientais.
Em que pese os argumentos do Parquet Federal, entendo que não restou demonstrado o dano alegado para que seja concedida a tutela de urgência requerida" (fls. 66/68).
Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs o competente agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, visando à reforma da r. decisão e que, consequentemente, à concessão da antecipação de tutela pleiteada. O em. Desembargador Souza Prudente, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0009759-03.2012.4.01.0000/BA, deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal, determinando ao IBAMA que procedesse à realização de audiências públicas nos Municípios de Itacaré/BA e de Uruçuca/BA (fls. 250/259).
Asseverou o em. Relator que a pretensão deduzida pelo Parquet "encontra-se em sintonia com a tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225,
caput), e que instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, torna-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, inclusive, na forma da lei, a implementação de políticas públicas voltadas para a prevenção de potencial desequilíbrio ambiental" (fl. 256).
O Estado da Bahia, por não ser parte na demanda originária, formulou pedido de intervenção no feito perante a em. Juíza da Vara Federal de Ilhéus/BA, sem contudo, ter o seu pleito apreciado até o presente momento, consoante consulta processual no sítio eletrônico da Justiça Federal.
Sem embargo, o Estado da Bahia, apresenta pedido de suspensão de execução dos efeitos da tutela antecipada concedida em ação civil pública. Após tecer diversas considerações sobre o empreendimento Porto Sul, o requerente sustenta que a r. decisão objurgada teria causado lesão à ordem pública, por incorrer, de modo indevido, na esfera do mérito administrativo, "violando o juízo de conveniência e oportunidade da administração" (fl. 9).
Aduz que o IBAMA seria o órgão responsável pela aprovação do licenciamento ambiental do empreendimento, "não sendo possível a suspensão do procedimento apenas porque o MPF deseja que sejam realizadas outras audiências públicas (sequer fala quantas), sem obviar a razão jurídica para tanto, sem nem mesmo observar que a população dos municípios indicados (Itacaré/BA e Uruçuca/BA) se fez presente na audiência que fora realizada em Ilhéus" (fl. 10).
Acrescenta que a "Resolução CONAMA n.09/87 estabelece a obrigatoriedade de realização de uma audiência pública, quando solicitado pelos indicados no art. 2º, não o exigindo que se realizem outras audiências, ainda que existentes pedidos das entidades civil, do MP ou do conjunto de cidadãos indicados. Fosse dessa forma, a cada dia novo pedido poderia ser formulado e o licenciamento ambiental jamais teria curso" (fl. 10).
Ademais, o requerente apresenta em sua petição diversas tabelas com informação do quantitativo de interessados que participaram da audiência pública, dos valores despendidos e dos Municípios e localidades envolvidos (fls. 16/34).
Sustenta que o r. decisum reprochado também provoca lesão à ordem econômica. Isso porque o empreendimento seria "parte integrante de um pacote maior de programas de investimentos destinados a dotar o Estado de uma infra-estrutura portuária suficiente para assegurar o crescimento econômico sustentável e sua paralisação acarretará prejuízos de grande vulto para a economia nacional" (fl. 35). Alega que a paralisação das obras também obstaria a geração de empregos diretos e indiretos, "bem como terá seqüência a perda de arrecadação de tributos por parte do Estado da Bahia" (fl. 36), gerando a diminuição de investimentos de suma importância para o desenvolvimento local.
Ao final, requer a "suspensão de qualquer restrição ao andamento dos trâmites de licenciamento ambiental referente ao empreendimento Porto Sul" (fl. 50).
É o relatório.
Decido.
A Lei nº 8.437/1992 estabelece que compete ao em. Presidente do e. Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, saúde, segurança e economia públicas.
Muito embora não seja parte nos autos da ação civil pública, observo que o Estado da Bahia apresentou petição à em. Juíza Federal de Ilhéus/BA, às fls. 266/300, requerendo a sua intervenção no feito, na qualidade de assistente do IBAMA, réu na supracitada ação. A referida petição ainda não foi apreciada pelo MM. Juízo, pois o processo encontra-se com carga para o Parquet desde 9/3/2012.
Nada obstante, tenho que a legitimidade é variável, dependendo da posição jurídica assumida pelo sujeito processual, sendo, portanto, a qualidade do sujeito em função do ato jurídico realizado ou a se
realizar (In. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 5 ed. p. 522). Desse modo, a legitimidade no incidente de suspensão pode ser conferida tanto para quem é parte quanto para quem não o é, a depender da eventual lesão que possa ocorrer ao bem protegido.
Possível, portanto, que um terceiro, de maneira espontânea, decida intervir no feito para suscitar questão incidental, desde que comprove sua relação com o bem jurídico tutelado.
In casu, não há como não admitir o pedido de suspensão apresentado pelo Estado da Bahia, ainda mais se se levar em consideração que, mesmo em caráter hipotético, poderá haver lesão a algum dos bens jurídicos tutelados pelo art. 4º da lei n.º 8.437/1992.
Passo, assim, à analise do pedido de suspensão.
O requerente, em sua extensa exordial, sustenta que o r. decisum proferido pelo em. Desembargador Souza Prudente, do e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao conceder antecipadamente a tutela
requerida pelo Ministério Público Federal, teria provocado grave lesão à ordem e economia públicas.
A justificar a lesão à ordem pública, o requerente aduz a indevida incursão do Poder Judiciário no juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Sustenta que, consoante o conteúdo do art. 2º da Resolução CONAMA nº 09/1987, somente deveria ser realizada uma única audiência pública, não se exigindo a realização de outras, ainda que existente pedido de sociedade civil, do Ministério Público ou do conjunto de cidadãos (fl. 10).
Entretanto, quanto a este ponto, verifico que os argumentos veiculados pelo requerente, a título de justificar a suspensão da liminar, revestem-se, em verdade, de caráter eminentemente jurídico, porquanto focalizam a aplicação da Resolução CONAMA nº 9/1987, a qual estabelece regramento para a realização de audiências públicas destinadas à análise e discussão do Relatório de Impacto Ambiental - RIMA.
Tal circunstância, todavia, ultrapassa os limites em que deve se fundamentar a suspensão de liminar, cujo objetivo precípuo é o de afastar a grave lesão aos bens jurídicos tutelados pelo art. 4º da Lei nº 8.437/1992. Nesse sentido: AgRg na SLS 1.257/DF, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 14/9/2010 e AgRg na SLS 846/SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe
de 7/8/2008.
Inviável, portanto, em sede de suspensão de liminar, o exame do acerto ou desacerto de decisão concessiva de antecipação de tutela, não podendo o incidente ser utilizado como sucedâneo recursal. Nesse sentido: AgRg na SLS 1.255/SP, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 14/9/2010 e AgRg na SS 1.551/AM, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 10/4/2006.
Por outro lado, o requerente sustenta que a r. decisão combatida também estaria apta a provocar grave lesão à ordem econômica. A justificar sua alegação, salienta que o empreendimento Porto Sul seria "parte integrante de um pacote maior de programas de investimentos destinados a dotar o Estado de uma infra-estrutura portuária suficiente para assegurar o crescimento econômico sustentável e sua paralisação acarretará prejuízos de grande vulto para a economia nacional" (fl. 35).
Acrescenta, ainda, que a paralisação das obras "sobejará obstada razoável geração de empregos diretos e indiretos, bem como terá seqüência a perda de arrecadação de tributos por parte do Estado da Bahia e o comprometimento da exploração de um dos maiores projetos econômicos do Estado (...) gerando a diminuição de investimentos de suma importância para o desenvolvimento do Estado e na perda significativa de postos de trabalho" (fl. 36).
Sem embargo, para o êxito do pedido de suspensão é insuficiente a mera alegação de que a manutenção da r. decisão atacada poderá causar grave lesão à economia pública. Deverá haver, para o sucesso da pretensão, a demonstração cabal e precisa, com o devido lastro probatório, de que a ordem econômica será gravemente afetada pela r. decisão que se pretende suspender.
Vale dizer, é imprescindível a comprovação do potencial lesivo que a medida causará às finanças do Estado, cabendo ao requerente da medida excepcional, de forma inequívoca e fundamentada, demonstrar que o cumprimento imediato da medida atacada provocará sérios prejuízos aos bens jurídicos listados no art. 4º da Lei n.º 8.437/1992. A propósito, cito os seguintes precedentes da c. Corte Especial: AgRg na SLS 1.045/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 12/11/2009 e AgRg na SLS 845/PE, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 23/6/2008.
Por essas razões, sem emitir juízo acerca do provimento judicial reprochado, entendo que a sua manutenção até o julgamento definitivo ação civil pública não possui, aparentemente, o potencial lesivo suscitado.
Indefiro, pois, a pretensão suspensiva.
P. e I.
Brasília (DF), 03 de abril de 2012.
MINISTRO FELIX FISCHER
Vice-Presidente, no exercício da Presidência
(Ministro FELIX FISCHER, 11/04/2012)

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